quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

A aromática cozinha indiana

 

Autor: Carla Pernambuco *
Adoro a culinária indiana, para mim a mais aromática de todas as cozinhas. Na Índia, os temperos e especiarias têm importância fundamental. O povo conhece suas características terapêuticas e sabe apreciar os sabores inconfundíveis que têm o poder de estimular o apetite e também ajudar na digestão. A comida para os indianos é considerada um presente dos deuses e, portanto, tratada com muito cuidado. As receitas, transmitidas oralmente, passam de geração a geração e raramente são escritas é um dos motivos pelo qual a cozinha indiana não é tão conhecida como a francesa, a italiana ou a chinesa. Outra tradição encantadora é o não uso de talheres, que, segundo os indianos, mudam o gosto da comida.
Os legumes e vegetais são fundamentais nesta culinária já que por lá muitos, normalmente por motivos religiosos, são vegetarianos. Alguns chegam ao ponto de não comer beterraba e melancia pois a cor desses alimentos lembraria o sangue. O curioso é que a elevação da vaca à categoria de divindade no país pode ter sido a maneira que a sociedade primitiva indiana encontrou para preservar sua mais importante reserva de proteína animal, energia e mecanização rural. Ao não matar as vacas, os indianos garantem uma produção ininterrupta de iogurte e queijo, conseguem esterco suficiente para acender fogareiros (esta é a única energia disponível nos grotões rurais) e ainda usam os animais para arar os campos.
Na mesa indiana não faltam as dals, lentilhas usadas nas mais diversas regiões do país. Há também as coalhadas, que servem para amainar o calor dos temperos e ajudar a fazer a digestão dos ingredientes mais fortes. A maior parte das sobremesas é feita à base de leite, iogurte, frutas secas e especiarias, e costuma ser bem doce. No fim da refeição, serve-se chá, às vezes com leite, mas sempre temperado com garam massala ou cardamomo. A pimenta é usada em abundância em todo o país. Segundo os nativos, além de equilibrar a temperatura corporal, é também um poderoso profilático contra alimentos mal conservados, devido às suas propriedades de regulador intestinal. Qualquer que seja o motivo, a verdade é que os indianos não acham a menor graça em nada que não seja apimentado. Por isso, toda a refeição vem acompanhada de raita, um iogurte com pepino, capaz de apagar os incêndios provocados pela culinária picante.
Por falar em picante, é difícil descrever a cozinha indiana sem citar o curry. Esta palavra, porém, não é usada pelos indianos. O que chamamos genericamente de curry no ocidente é a complexa mistura de especiarias que confere personalidade a seus pratos. Provavelmente os ingleses tenham cunhado o termo ao tentar pronunciar a palavra portuguesa caril, que designa uma raiz parecida com o gengibre, uma das bases dessa mistura de temperos.
Grosso modo, a culinária indiana pode ser dividida em duas vertentes: a do norte e a do sul. A diferença está na fonte de carboidratos. A primeira é acompanhada por deliciosos pães, enquanto no sul o arroz é predominante. No norte, o clima seco e com invernos frios se traduz à mesa em pratos mais refinados, com nozes, castanhas, açafrão e carnes assadas em forno de barro (tandoor). O único prato da região à base de arroz é o biryiani, um risoto perfumadíssimo, com especiarias, legumes e castanhas. O sul, de clima tropical, tem como prato de resistência o thali é um bandejão (que pode ser de prata ou folha de bananeira, conforme a classe social) no qual é servida uma pequena montanha de arroz branco circundada por porções de legumes e queijo de vaca preparados com molhos picantes a base de leite de coco ou tomate.
A única região que foge a essa divisão genérica e apresenta alguma influência estrangeira é Goa, antigo enclave português no território indiano. O principal curry da região é o vindalo (uma corruptela de vinha d?alho), que é mais avinagrado que os curries do resto da Índia. O uso da carne de porco aqui é predominante, já que a maior parte da população goesa é católica. Outro prato local é o sorpatel, parente do nosso sarapatel, feito com miúdos de porco. Mas, diferente do que se pensa, em Goa não se fala nem se entende português. A influência lusa se limita à arquitetura colonial e a essa tímida tendência culinária. Tímida porque, mesmo aqui, o sabor das maravilhosas especiarias indianas fala mais alto.

 *A chef Carla Pernambuco é dona do restaurante Carlota (São Paulo e Rio de Janeiro), e dá aulas de gastronomia. Artigo extraído da Revista Prazeres da Mesa.

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